Ainda no embalo do lançamento de ontem (a maior festa!) do livro Escrita
Secreta, na Livraria Cultura da avenida Paulista, em Sampa, segue abaixo um
papo legal e revelador entre a entrevistadora Gabriella Mancini,
jornalista e roteirista , e nossa querida entrevistada Heloisa Prieto,
autora – premiadíssima – do livro.
"– Eu detesto diários. Não sei se sempre os
detestei.
– Então escreva cartas.
– Para quê? Para quem?
– Para si mesma. Depois, se quiser, rasgue tudo.
Queime. Palavras escritas ficam para sempre impressas. De um jeito ou de
outro."
Trecho do livro “Escrita secreta”
Palavras reveladas
Em “Escrita secreta”, o
mistério – artifício recorrente na obra de Heloisa Prieto – começa na capa, que
traz o título escondido sob uma aba. À medida que a leitura avança, o livro
surpreende, indo na contramão: a proposta aqui é revelar a autora, nos aproximar
de seu universo em textos que refletem sobre a própria escrita.
O leitor se sente como quem tem
acesso a um diário ou gaveta de ideias da escritora, entrando em contato com
memórias de infância, imagens de família, frases soltas, confissões, lendas e
poemas que marcaram a autora – fragmentos
de narrativa antes guardados, “escondidos”, que agora ganham valor em si.
A corajosa exposição de Heloisa
é feita sem alarde, em silhuetas, entrelinhas, sutilezas. Introspecção e
delicadeza aparecem também nas fotos de Priscila Nemeth e Anne Bergamin Checoli
que acompanham os textos, potencializados pela arte gráfica de Eugênia
Hanitzsch.
A seguir, Heloisa conta mais
sobre seu novo livro e seu processo de escrita.
Gabriella Mancini: Por que revelar
escritos secretos?
Heloisa Prieto: Sempre
me perguntam se tenho histórias inacabadas. Percebo que muita gente abandona a
escrita pessoal por não saber como terminar um conto ou romance. Senti então
vontade de mostrar o lado mais secreto da minha criatividade, o avesso mesmo.
As frases que me fazem pensar, recontos antigos que vivo montando, como a lenda
do vale, do poeta Nerval, histórias sem resolução final. Ao fazer isso, percebi
que os fragmentos do livro eram diferentes de antologias de prosas poéticas,
mais reflexivos e contemplativos. Compreendi melhor a mim mesma. Para mim,
viver é caminhar no fio da navalha, como diria Somerset Maugham, cuja obra
releio constantemente.
GM: "Escrita secreta" cita
textos abandonados/guardados, memórias, notas em pedaços de papel. Eles foram
todos criados para este livro ou também estavam guardados na gaveta ou em
papéis soltos?
HP: A ideia veio de algo
bem prosaico: fui mudar meus arquivos de um computador para o outro e o técnico
resgatou um antigo conjunto de textos intitulado: ideias. Percebi, ao reler
tudo, que eles não teriam continuação. Quer dizer, não eram textos germinais e
sim finais.
GM: Você tem ou já
teve diários?
HP: Sim, quando era
menina, escrevia diários e os escondia no meio das estantes da biblioteca do
meu pai. Hoje em dia, mantenho várias anotações. Ando sempre
com caderninhos onde esboço frases, sensações. Ultimamente ando praticando
a técnica de traduzir uma percepção sensorial em narrativa. Criar os
acontecimentos que geram a transformação interna. Também continuo com um
arquivo de ideias no computador. Mas tenho boa memória auditiva.
GM: Em um dos
textos, o livro traz um pacto feito com um vampiro, tendo a escrita como
protetora da personagem. O artista é uma espécie de médium, que vê ao
redor o que ninguém mais enxerga, como parte de um pacto secreto. Você se sente
prisioneira da escrita, ao “ver ideias” em tudo? Ou seja, a escrita às vezes é
um incômodo (por não conseguir se desligar dela)?
HP: Não existem regras
para minha escrita. Ela é um espelho que me ajuda a decifrar a vida, as
pessoas, os meus medos. Ao mesmo tempo, há momentos de encantamento puro que
vivencio e tento capturar por meio dos personagens e situações. Finalmente, a
escrita é minha forma de manter vivas pessoas que já partiram e compartilhá-las
com os leitores. Fiz um livro sobre a infância de meu pai, quando ele se foi.
Sempre que vejo um leitor perguntar dele como se o conhecesse, fico feliz e
emocionada. Meu pai foi uma de maiores influências, apaixonado pelos grandes
mestres da escrita de aventura. E minha mãe, que posou para as fotos de dona
Sofia. Digamos que meu pai era uma influência solar, sempre falando das
viagens, defesa da natureza e animais. Minha mãe chamava minha atenção para os
perigos invisíveis, tudo aquilo que nos assombra. Ela continua sendo uma exímia
contadora de causos de terror. Narrar (e/ou escrever) é uma boa forma de pensar
na vida.
GM: Tem algum pudor
ao escrever ou nada é impublicável?
HP: Não tenho mais nada
na gaveta agora. Não escrevo com pseudônimo, e não guardo mais
nenhuma escrita secreta. Este livro foi algo que exigiu coragem. Uma forma de desnudamento
mesmo.
GM: Você vem se
dedicando à meditação e à ioga. Como isso tem interferido na sua literatura?
HP: A ioga me
ajudou a ver desde outros pontos de vista, literalmente. Ver o mundo de
cabeça para baixo ou na posição do cachorro olhando para a lua, por exemplo, me
fez resgatar uma alegria e curiosidade de infância. O trabalho físico da ioga,
acompanhado por minha professora, Ana Borella, foi de grande impacto na minha
criatividade.
Há alguns meses comecei a dedicar
intensamente à meditação zen budista. As ideias passaram a fluir mais
intensamente. No templo Busshinji, em São Paulo, tive o privilégio de conhecer
um mestre zen, Dosho Saikawa, escritor e ilustrador, que tem me ensinado a
técnica dos koans, breves contos de ensinamento. Além disso, por influência de
nossas conversas, as novas histórias mostrarão mudanças na estrutura do enredo.
Estou começando a apreender breves momentos de paz e contentamento, mesmo
na turbulência complexa do mundo contemporâneo.
Para conhecer ainda mais o livro, é só acessar
http://www.escritafinaedicoes.com.br/
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